<<SHANTI>> Tantrismo

Shanti >> Tantrismo


Tantrismo

 

   

 

Reportagem publicada na Revista Marie Clarie nº 133,Abril de 2002

MUITO PRAZER, SEXO TÂNTRICO

A tradição tântrica vê o sexo como uma porta para a ampliação da consciência. A energia despertada no ato pode potencializar o prazer e nutrir outras áreas da vida, desde que o homem retenha a ejaculação e a mulher aprenda a retardar o gozo. Aqui, dois casais e uma mulher contam suas vivências, especialistas comentam a prática e um sexólogo confirma que ela pode proporcionar orgasmos múltiplos. Por Simone Dias.

O sexo tântrico promete ao homem potência ilimitada e ereções prolongadas. A mulher é vista como uma deusa e deve ser reverenciada. Para ambos, a filosofia do tantra ensina que o corpo é um templo, o sexo é sagrado e que não existem fronteiras entre corpo e espírito. A relação tântrica começa com um ritual de preparação do ambiente e longas preliminares. O orgasmo não é a meta. O tantra combate a ansiedade eliminando os objetivos do ato sexual e convida os amantes a se abandonarem ao encontro, a se entregar e se manter completamente presentes, com os sentidos e a atenção despertos. Para chegar ao paraíso é necessário que o homem não ejacule e que a mulher aprenda a retardar o orgasmo. Nem todos conseguem, pois isso exige concentração e auto-controle, que podem ser obtidos através de preparação física e espiritual. Os praticantes são orientados a seguir uma alimentação equilibrada, não beber e não fumar — a saúde do corpo está vinculada ao desenvolvimento do espírito. Os adeptos reaprendem a respirar, alinhar a postura e a aumentar a capacidade de concentração. Homens e mulheres fazem exercícios para enrijecer e controlar a musculatura pubiana, diretamente ligada ao prazer do ato sexual. Segundo a psicóloga e professora de io-ga Márua Roseni Pacce, "não dá para propor a retenção da ejaculação para um leigo. Nem é possível atingir um grau elevado de prazer sem ter um sistema nervoso preparado para isso. A energia orgástica tem alta voltagem, mas só é obtida plenamente com práticas respiratórias associadas aos exercícios", diz a especialista.

Ela explica que o sexo tântrico se propõe a "acender" a energia vital guardada dentro de cada um. Ao subir pelo corpo, essa energia, chamada pelos hindus de "kundalini", acorda os chacras — sete centros vitais situados ao longo da espinha — despertando tanto o prazer quanto a consciência. O principal é não ter pressa — o sexo tântrico pode levar horas. Quem conhece descreve pequenos choques elétricos pelo corpo e uma onda contínua de prazer. Dedicar tempo ao ato é importante para o desenvolvimento da intimidade e também para o homem se manter no "ponto limite". Ele não ejacula, mas segura a ereção e consegue atingir um estado de prazer chamado de "orgasmo cósmico".

DEUSES EM ÊXTASE

A palavra "tantra" tem diferentes significados, tais como "processo contínuo" ou "tecido como uma teia". A tradição tem várias linhagens e surgiu com os drávidas, que viveram onde é hoje o norte da índia, há cerca de 6 mil anos. Esse povo se organizava em uma sociedade matriarcal, em que as mulheres tinham total liberdade. Toda mulher era considerada uma deusa, mestra na arte do amor, capaz de desenvolver e estimular a percepção dos cinco sentidos. Por isso é comum nas posições de sexo tântrico a mulher ficar por cima, comandando o ritmo. "O sexo tântrico foi reduzido a uma técnica erótica, mas é uma espécie de meditação a dois", explica Márua.

Ela esclarece ainda que o tantra nada tem a ver com o famoso "kama sutra", também indiano. O tantra é uma tradição bem mais antiga e é matriarcal, enquanto o "kama sutra" é patriarcal, não aborda o controle ejaculatório, considera a mulher inferior ao homem e é uma espécie de manual de etiqueta sexual, com uma série de posições excitantes.

No sexo tântrico, o homem e a mulher percebem um ao outro como divindades. Segundo a filosofia hindu, durante o ato o casal de amantes evoca o par primordial de deuses — Shiva, polaridade masculina que representa a consciência; e Shakti, que representa a energia feminina, a natureza e a criação. O encontro desses dois princípios, opostos e complementares, é o caminho do êxtase.

DEVAGAR E SEMPRE

Marcos Vinício Taccolini, 36 anos,
empresário, e Maíra Salomão
Pedreiras, 19, instrutora de ioga

Namoram há oito meses. Conheceram o tantra há dois anos, em uma universidade de ioga. Afirmam que a prática aumenta a disposição e a criatividade. Tá tiveram relações durante cinco horas seguidas.

MARCOS "O tantra me fez descobrir um mundo novo. Antes eu transava com pressa, preocupado em chegar ao orgasmo. Hoje, a atitude é completamente diferente. Antes da relação, temos muitas carícias, beijos, carinho. Eu e Maíra já chegamos a ficar cinco horas transando e eu seguro a ejaculação. Como nós transamos praticamente todos os dias, eventualmente acontece de eu não conseguir reter. Ficamos no limite da coisa. Muita gente acha que a retenção impede o prazer. Pelo contrário, a satisfação é maior e mais duradoura. Eu conheci a prática através da ioga, que ajuda no controle da ejaculação por causa dos exercícios respiratórios. Mas a minha mudança sexual se deu pelo tantra e não pela ioga. Existem muitas linhas de ioga e algumas até pregam a abstinência sexual.

Nas relações comuns, o prazer mais intenso dura poucos segundos e depois do orgasmo vem o cansaço. No sexo tântrico, em vez de chegar ao ápice, a gente vive um estado de orgasmo prolongado, chamado de hiperorgasmo, e consegue permanecer com vitalidade mesmo depois da transa. Todo o corpo se transforma num grande pólo sensorial —como se cada parte fosse uma extensão do órgão sexual.

O resultado prático do controle da energia sexual é fantástico: eu ganhei agilidade e criatividade no dia-a-dia. Antes de conhecer o sexo tântrico, como todo empresário eu passava 12 horas na empresa. Depois, reduzi a oito horas. Embora o tempo seja menor, a produtividade é a mesma, porque estou bem disposto e concentrado.

A viagem tântrica difere muito dos relacionamentos tradicionais. O tantra é um culto à feminilidade. A mulher tem uma posição de destaque e a iniciativa cabe a ela. E já que uma deusa a gente adora de baixo para cima, a posição mais representativa do tantra é a mulher por cima do homem. Mas gostamos de variar, e tem uma em que ficamos sentados frente a frente, entrelaçados. São posições simples, essa história de sexo tântrico com contorcionismo é um estigma. Todo mundo quer encontrar uma maneira confortável de fazer amor. Podemos também usar incenso, flores, mas nada de complicar muito. O fundamental é se sentir bem. Sabemos que não dá para decorar a casa toda com velas todos os dias."

MAÍRA "Minha vida sexual já foi muito contida. Eu sempre tinha um pé atrás, preocupada com o que o outro iria pensar de mim. Vivia me questionando se não estava me entregando demais. Carregava aquele peso da moral que existe em muitos relacionamentos. Quando passei a me relacionar com homens que também conhecem o tantra, experimentei a verdadeira capacidade de dar e receber amor, sem guardar ou reservar nada, nem atitudes ou sentimentos. Me senti muito mais livre, inclusive para ter outros parceiros, se desejar. Nem todo casal tântrico vive uma relação aberta, mas nós acreditamos nesse tipo de relação.

Os homens que praticam sexo tântrico são muito mais sensíveis e têm outra visão da mulher. Também são mais cheirosos educados. Eu já tinha me relacionado com outras pessoas até começar a namorar o Marcos. Só que a nossa relação é mais leve e com ele tenho liberdade de falar o que sinto. Marcos me ajudou a acreditar mais em mim.

Para o tantra a relação sexual não é apenas contato genital. É preciso passar por vários níveis de envolvimento para se chegar à penetração. Existe um estímulo para que a gente se conheça através do contato profundo com o outro, a troca se intensifica. Nós trocamos muitas carícias antes, depois de um tempo a relação sexual começa, o prazer vai aumentando e antes de chegar ao clímax a gente pára. E recomeça, poucos minutos depois, do ponto alto em que tínhamos parado. Como em qualquer relacionamento, quanto maior a intimidade, mais gostoso fica. Eu me encontrei sexualmente e hoje seria inviável ficar satisfeita com outro tipo de relação.

Antes eu não chegava ao gozo facilmente, para mim não foi difícil aprender a reter o orgasmo. Consegui com técnicas de respiração da ioga e com hábitos saudáveis. Eu comia carne, bebia, fumava, não tinha pique para fazer as coisas. O estilo de vida que o tantra propõe e a prática da retenção do orgasmo se reflete em tudo: tenho mais motivação, acordo mais disposta para praticar esportes, por exemplo. O tesão é canalizado para outras áreas. Passei a ser mais objetiva, tenho mais clareza do que quero.

A prática também contribuiu para outra mudança no meu corpo: a depilação pubiana. Isso não é obrigatório, já que a liberdade é o princípio mais respeitado dentro do tantra, mas eu gostei de depilar, porque fica lisinho, acho bonito. A região fica mais sensível e o prazer aumenta."

VERSÃO ADAPTADA

Erickson Gomes, 33 anos,
executivo, e Maraísa Figueiredo,
29, empresária

Casados há sete anos, ele fez o curso de sexo tântrico, mas não tem paciência para os exercícios e nunca conseguiu reter a ejaculação. Mas ela adorou as longas preliminares e eles adaptaram o tantra ao seu bel-prazer

ERICKSON "Foi minha mulher quem me falou do curso, mas na hora H ela não pôde ir e fui sozinho. Não entendia nada sobre o assunto, só sabia que o tantra era uma filosofia oriental e que através dela poderia aprender algo para aumentar a sensibilidade e a emoção no ato sexual.

Depois de conhecer, cheguei à conclusão que o tantra está muito longe da gente. Eles defendem o ritual antes do ato, que inclui a massagem, por exemplo, coisa que não fazemos. Também não tenho paciência para os exercícios e nunca consegui segurar a ejaculação. Eu e Maraísa conseguimos nos associar de uma maneira que os dois sempre gozam juntos. Temos uma coisa tão gostosa e de repente te dizem: 'Esquece tudo isso, é legal mas não é o melhor'. Isso choca. Me pareceu um negócio inatingível. Eu não acho a ejaculação tão desnecessária assim, pois sinto muito prazer com ela. Talvez daqui a dez anos a gente chegue nesse nível, mas hoje ainda estamos longe.

Resolvemos apenas incorporar algumas coisas do sexo tântrico na nossa vida. Hoje, levamos mais tempo na relação, por exemplo. Passamos a nos beijar mais, a sentir o corpo e a se olhar antes do ato e isso contribuiu para o aumento da sensibilidade. Estamos mais relaxados e temos sensações novas que, se aconteciam antes, eu não dava atenção. Comecei a perceber a pele macia que ela tem e a vivenciar sensações como choquinhos pelo corpo todo. Isso eu não sei provocar, não consigo controlar, mas comecei a sentir. Estou mais sensível no ato sexual por causa do tantra, mas não sou um adepto. Temos um bom sexo tradicional, com elementos tântricos. O que deixou nossa relação ainda mais prazerosa."

MARAÍSA "Nunca tivemos bloqueios, mas, depois que o Erickson fez o curso, o jeito de fazer amor e de me tocar mudou. Ele ficou mais atencioso no ato sexual, indo além do instinto. Presta mais atenção no toque, dá mais carinho, não só na cama. Outro dia ele começou a me beijar, eu achei tão bom ele estar mais aberto para essas pequenas coisas, como um carinho inesperado, que os homens, às vezes, não dão valor. Ele percebe quando estou mais arrumada ou cheirosa, diz coisas que me estimulam. Mas ele me disse que não pretende segurar a ejaculação e eu concordo com ele. Nós adoramos gozar juntos. Por que deveríamos nos privar de algo que nos dá tanto prazer? Ainda me soa estranho. Mas essa história de ficar mais tempo na cama e gozar mais no final é maravilhosa. Só não dá para segurar horas e horas, acho fisicamente cansativo.

Quando o Erickson foi fazer o curso eu não tinha expectativa de grandes transformações. Queria que ele tivesse acesso a uma filosofia que despertasse para o autoconhecimento. Eu sou leiga, mas s que o tantra é uma filosofia que prega a arte do amor total. Para nós, foi um estímulo para cultivar o carinho e também é muito energético. Não sei se dá para explicar isso, mas você olha no olho do outro e dá para sentir seu coração."

A DESCOBERTA DO ORGASMO

Sueli Longo, 37 anos,
professora de sociologia e psicopedagogia,
solteira

Ela achava que sempre faltava alguma coisa em suas relações sexuais. Tinha muito prazer, mas imediatamente depois sentia um grande vazio. Há três anos descobriu o sexo tântrico e o orgasmo

"Sempre tive muita disposição para o sexo. Eu sentia prazer, mas não me contentava. Quando gozava, a sensação era de explosão: uma satisfação momentânea, que em seguida sumia. Quando eu estava sozinha, me masturbava para relaxar, cansava, mas não perdia o pique. Mas a sensação de que faltava alguma coisa persistia. Também não conseguia estar sintonizada com ninguém, pois sexo e sentimento não andavam juntos, e isso era um problema.

Nunca tinha ouvido falar do tantra. Até que três anos atrás fui fazer terapia e o psicólogo me convidou para um grupo de meditação indiana. Comprei livros, comecei a ler muito sobre o tantra e decidi fazer um workshop. Foi aí que descobri que tinha de trabalhar minha sexualidade. Antes eu achava que sabia tudo e não tinha problema nessa área, que minha questão era só de relacionamento.

O que me encantou a princípio foi o culto das preliminares, muito olhar, toque de pele, a procura do prazer com o corpo inteiro. No sexo tântrico você fica entregue e totalmente confiante no outro. Não há um fim para alcançar, você só tem de desfrutar o 'meio'! Não existe expectativa com o que vai acontecer. Concluí que o que eu sentia até então não era orgasmo, era perda de energia. O verdadeiro orgasmo da minha vida eu conheci pela via tântrica. Mas isso não caiu do céu.

Na minha   primeira experiência,  eu  estava cheia  de  expectativas. Programei tanto, tomei um banho com sabonete neutro para realçar o odor da minha pele, fiz meditação, tinha incenso, vela... Ficamos sintonizados nas preliminares,  nas  carícias,  mas hora H... ele gozou! Fiquei desapontada, pois esperava uma transa diferente. E na hora não deu nem para rir. Tudo era  tão  sério!  Ele  se desculpou, mas era a primeira  experiência  tântrica  dele também.  Mas  depois  dessa estréia, eu deixei de lado as expectativas, passei a me entregar e tudo fluiu. O orgasmo,  que  antes  me  parecia uma bola de gás cheia, que explodia e esvaziava, com o tantra não explodiu. Experimentei um prazer muito grande, que não vem só do sexo, mas passa por ele. Comecei a me sentir mais livre, minha consciência do corpo aumentou. Sempre fui gordinha, nunca me incomodei, mas é evidente que fiquei mais sensual, até as minhas roupas estão mais soltas. Antes eu usava tudo mais justo.

Hoje, me sinto mais segura e nem falo mais durante o ato, para não dispersar a kun-dalini. Quando essa energia começa a subir, a sensação é de estar em outra dimensão. O tempo pára, não existe mundo em volta. Eu me sinto mais querida pelo parceiro, porque existe muita atenção e carinho e essa sensação perdura por alguns dias.

Não tenho mais interesse por sexo que não seja tântrico. Como atualmente não tenho compromisso com ninguém, até tive parceiros que não são tântricos. Foi gostoso, mas prefiro ter um parceiro que celebre comigo. Não preciso estar apaixonada, o importante é estar em sintonia com alguém, aí as manifestações de afeto surgem naturalmente. Comecei a ver o sexo de modo diferente, ligado à vida como um todo.

Continuo freqüentando um grupo de sexo tântrico só para mulheres. Têm um exercício chamado 'conversa com a vagina'. Você usa um espelho para olhar o próprio sexo. É um trabalho realizado em Campinas (SP) com mulheres de várias idades. Os exercícios acontecem em grupo, em uma grande roda, Todas ficam de costas para o centro da roda, observando-se. Alguns exercícios, como contrair o músculo vaginal, eu já fazia intuitivamente. Mas antes do tantra não tinha tanto contato meu órgão sexual.

Na minha vida a felicidade sexual vem em primeiro lugar. Acho que, quando se consegue isso, tudo muda. Com o desenvolvimento conjunto da sexualidade e da espiritualidade que o tantra me deu, eu consegui me encontra até profissionalmente, além de ficar mais segura como mulher. Estou fortalecida e não tenho necessidade de me proteger dos homens. Não se trata de uma sensação de ser boa de cama. Mas de conhecer o seu próprio valor, saber o que se quer, se sentir dona de si mesma e dos próprios desejos."